quinta-feira, 11 de março de 2010

Prendo-me a minhas limitações auto-impostas, como se tivesse construído uma estátua oca e me obrigasse a viver dentro dela. Sinto que a verdade está tão perto de mim; posso vê-la, ouvi-la, até senti-la. Mas não posso tocá-la, por medo de quebrar a armadura que construí com tanto esmero. Ou medo de machucar as mãos na tentativa, descobrir-me presa e incapaz. 
Eu queria um botão pra desligar o modo standby.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

um dia, comentei que recém havia adquirido um certo conformismo, e me julgaram. conformismo não é bom, menina! engraçado. eu que sabia disso, eu que fiquei tanto tempo inconformada. engraçado terem julgado meu conformismo-relâmpago. quando todos seguem a marcha sem questionar a direção, sem nem mesmo ter ciência da presença dos demais. e eu sentada na calçada esperando o cortejo passar. até que alguém que marchava me dirigiu algumas palavras, que eu julguei. como pode você ter-se levantado da calçada pra marchar também?
porque não adianta ficar parado esperando o mundo mudar. simples. pelo menos, marchando, você segue em frente. mesmo que você e o cortejo não cheguem ao mesmo lugar.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

o anel e o véu

é tão assustador perceber-se tão dentro de algo, que a ausência esvazia até os pulmões. assustador saber que eu me afogaria se não estivesse mergulhada nesse mundo criado, no refúgio seco e quente, com raízes e asas, que me faz querer morrer só de pensar em ter que sair do meu aquário pra esse mundo cinza e frio e molhado lá fora. as horas apostam corrida com as gotas de chuva - e vencem. 
há tanto espaço no meu aquário que me sinto espalhada, como minhas roupas. me sinto distante de mim, como se não conseguisse mais me situar inteira em um lugar só, não conseguisse juntar todos os meus cacos. e eu diria que tu és a cola, sabe como é. eu me sinto inteira quando estou contigo. e isso me assusta. 
isso e saber que não quero nunca mais precisar lembrar como é viver de outro jeito.
eu tinha desacreditado tanto, de tantas coisas. casamento, novelas, religião... continuo não gostando de novelas. continuo tendo minha própria fé e meu próprio modo de me comunicar com aquilo que chamam de Deus. continuo achando que os políticos não prestam, que o capitalismo te suga, que o mundo tá todo torto. mas, se você me aparecesse com um anel, eu vestiria um véu e diria sim.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

sobre lidar com a perda (do que nunca se teve)

pronto, aceitei. 
sei que demorou, que eu fiquei um bom tempo procurando motivos, que culpei a mudança, não quis enxergar. tentei me iludir por medo de perder o que eu considerava um porto, e neguei até a última que o circo já tava armado muito antes de eu chegar. 
bá, eu tentei. 
mas agora vi que eu era só mais um carrinho da montanha-russa, e que ela tem uma cor pra cada vagão. foi difícil e, agora, o meu maior medo é que eu não sinta falta. sabe? porque eu nunca tive, mesmo.
eu tive um personagem, criado só pra mim. uma máscara que era usada dia e noite, e até mudava um pouco de acordo com a luz. mas nada além de uma máscara pintada com minhas cores preferidas, que alguém usou por um tempo, e então trocou por outra e deixou largada no canto da sala.

terça-feira, 5 de maio de 2009

rabiscos remotos

de longe, te esqueço.
de perto, te quero mais próximo.
somos ímãs - de pólos opostos.
ímãs de metal polido,
de metal barato. rachado.
por um muro vítreo separados.
(percebo: nesta história há algo de errado)
como pode, em um par de ímãs
haver atração apenas de um lado?

___
permito-me
(deste ponto)
percebo-te
(quase morto)
proíbo-me
(desaponto)
persigo-te
(não te encontro)

___


como pode um ponto de interrogação
mudar de uma frase inteira a intenção?



domingo, 3 de maio de 2009

"E minha mão esquerda tocava uma ausência sobre a cama."

Ela começou sentindo duas coisas: um frio nos pés e uma ausência nas mãos. Deitou-se e encostou os pés na coberta, mas não se cobriu. Não importava, entende?
Sentiu sono, mas não dormiu. Olhou as paredes forradas de papéis colados, as frases escritas em nanquim, a falta de cortina disfarçada com cartazes, a falta de cor disfarçada com lembranças. Afinal, de que adiantaria manter os pés quentes? De que valeria estar confortável? Suas mãos doeram. Estalou os dedos, olhou em volta, prestou atenção nos versos doces da música que acompanhou o começo de tudo, como se o universo quisesse provar que havia testemunhas. De que adiantaria dormir e depois acordar com a mesma ausência na mão esquerda?

sábado, 4 de abril de 2009

pela liberdade de não-expressão

Dispo-me. De qualquer mentira, de qualquer barreira. Entrego-me ao mundo como ele me foi entregue: nua, colecionando infinitos. Sem máscara, sem proteção. Com a cara lavada, saio às ruas ondulando minha bandeira, exibindo as cores da minha não-causa, cantando meu hino desafinado pra ninguém ouvir. Sem tom, sem paixão. Até que eu descubra a letra.

segunda-feira, 30 de março de 2009

amarelo branco cor-de-rosa

Uma meia sem par,
do tamanho do meu polegar.
Esquecida no posto de gasolina.
Como caiu do pé da menina?
De quem foste, não sei.
Então por que te guardei?
Para que me lembrar
do que nem mesmo sei?

quarta-feira, 18 de março de 2009

Ela o olhou nos olhos e desviou. Quis dizer que o amava também, mas sabia que amava todo o resto um pouco mais. Foi confuso, no início, estar na posição de pessoa amada em uma relação unilateral. Mas ela deu um jeito. Decidiu que não corresponder também doía. Porque perdera a chance de amar, talvez? Ou porque a dor do outro a atingia? Tanto faz. O importante é que doía e, tão cedo ela aprendera a conviver com a dor, que tornaram-se companheiras - ela precisava sofrer para manter-se.
Desviou o pensamento da dor recém criada - e com a qual já se havia conformado -, resolveu voltar àonde estava. Pensou em dizer que era tarde demais, que ela quase o havia amado também, que eles andavam em passos diferentes. Não teve coragem. Pensou em outras explicações para o que não se explica, e, não sabendo o que fazer, teve a pior reação possível:
ela riu. Um riso nevoso, como se ri de humor negro: com culpa. Uma risada para quebrar o silêncio - e que quebrou algo mais.

domingo, 15 de março de 2009

um laço, um nó

você se lembra de uma pessoa com um sorriso e um nó de marinheiro no peito. por quê? porque ela foi importante. porque você foi embora - e ela ficou. e, principalmente, porque você pensa que nunca mais vai ouvir falar dela de novo. você guarda uma lembrança, uma folha de caderno escrita com caneta hidrocor, e sabe que nunca, NUNCA aquele papel vai ser esquecido. aquele pedaço rasgado de caderno que é a única prova física de que aquela pessoa importante realmente existiu, e de que ela também se importou com você. e, de repente, em um domingo de sol como tantos outros, BÁ! ela existiu mesmo, do jeito que eu me lembrava! ela é linda por dentro, por fora e está feliz. e eu também! as duas pontas da fita formaram, finalmente, um laço. um nó de marinheiro.