quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Jasmim

Olhou para baixo e hesitou por um instante. Depois, sentiu que nada a estava prendendo ali. Fechou os olhos e puxou o ar para dentro de si. Foi quase como se um punhado de coragem adentrasse seus brônquios no lugar do gás. Deixou-se dominar pela liberdade que a preenchia e sentiu seus pés abandonando a fachada onde se equilibrara momentos antes. A gravidade agora agia sobre seu corpo e, por alguns segundos, não conseguiu pensar em nada a não ser na velocidade com que ela ia de encontro ao chão.
Então, viu-se invadida pelo medo. Arrependeu-se. Onde estava com a cabeça quando resolveu fazer aquilo? Dentro de poucos momentos, a vida abandonaria seu corpo, e a culpa era sua. Ela percebeu que não estava preparada para morrer. Sentiu-se estúpida e impotente diante de seu ato e, a despeito de tal pensamento, agradava-lhe a sensação de cada célula do seu corpo estar caindo no mesmo vazio.
Esqueceu seus receios e se concentrou na força invisível que a puxava para baixo. Só mais um momento... Mais um suspiro. Engolfou o máximo de ar que pôde à sua volta e despediu-se de si mesma. Perdeu o medo por completo.
Foi quando, de súbito, sentiu asas se movendo por baixo do vestido cor-de-jasmim. Lançou-as ao vento e, pela primeira vez na vida, alçou vôo. O ar passava despenteando seus cabelos, e ela gostou da sensação. Era quase como ser mais leve que o ar que enchia seus pulmões...
Sobrevoou a cidade, avistou sua rua se distanciando. Agora, seu bairro inteiro se perdia em meio ao caos, e ela pôde ver o mar além dos morros. "Vou sentir falta do mar..." Ela subia cada vez mais alto, para um lugar onde ninguém jamais poderia alcançá-la. O céu ia se tornando mais azul a cada metro que avançava.
Virou a cabeça para baixo, mas não abriu os olhos. Decidiu que, a partir dali, pensaria apenas no que aquela imensidão azul lhe reservava. O passado poderia continuar exatamente onde se encontrava naquele momento:
Abaixo de seus pés.

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