sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Capítulo II

"Tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, não me venha com essa história de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais, nunca tive porra de ideal nenhum, só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista capitalista, só queria ser feliz, cara. Gorda, burra, alienada e completamente feliz."

(Caio F.)


Até que chegue o verão.


Solução:
aproveitar ao máximo meus últimos dias de primavera, mentalizar as flores e borboletas para não esquecer que logo essa paisagem vai se transformar em folhas secas no chão. Por favor.

domingo, 9 de novembro de 2008

Mais

Talvez, a primeira coisa que ele soube a respeito dela é que ela tinha medo. Ou talvez ele a tenha visto como alguém que segue em frente, apesar disso. Eu não poderia dizer, afinal, o que nela atraiu aquele menino com o coração tão grande, e tão mais forte do que ele acreditava ser. Sei que, desde o primeiro contato, ela sentiu que ele era especial. E os sentimentos dela não erram quando se trata desse tipo de coisa.
Comunicaram-se. E uma das coisas importantes que eu aprendi na faculdade é que a comunicação só se dá quando há entendimento. Eles realmente se comunicaram. Houve troca, houve identificação. E houve, sobretudo, entendimento. 

Por algum motivo, ela achou que ele não se via com muita clareza. Ele deve ter pensado o mesmo dela. Talvez tivessem razão, porque eles já começaram na essência. Não havia vozes, não havia rostos. Havia apenas o mais importante: os sentimentos. Aqueles sentimentos que se guardam na borra do café, no fundo de qualquer coisa, que precisam ser revirados com uma colher. Sentimentos que, por mera honestidade, descobriram-se verdadeiros. E eles se descobriram parecidos. E, por não se conhecerem, conheceram-se muito bem. Por não partilharem das banalidades cotidianas, por não dividirem os números desnecessários, por não se deixarem distrair com o supérfluo superficial. Há maneira melhor de começar a conhecer uma pessoa? Eles começaram por dentro. Pelas dores. Ele ainda sofria por um amor muito puro e bonito, que há muito veio a se perder. E ela sofria por outro tão impossível que nem ao menos chegou a nascer.
Eles dividiam angústias.
Mas não havia só dor. Dividiram tudo o que puderam. Gostos, histórias, lembranças, risadas, maneiras de ver o mundo e extrair aprendizado das coisas. E, assim, a amizade nasceu, tão pura que não sabia desejar nada além do bem.

Dividiam cada vez mais. Ela viu o homem por trás do menino sensível, e ele viu que aquela mulher não passava de uma menina que tinha medo da vida. Então, com o tempo, surgiu para os dois a necessidade de dividir mais. Mais do que havia sido possível até então. Mais do que palavras e imagens, mais do que idéias trocadas à distância. E a menina viu que tinha medo. Muito medo. Medo de perder o amigo, medo de confundir as coisas, medo que aquela necessidade indicasse que o sentimento havia mudado - o que ela, apesar de saber, ainda tentava esconder de si mesma. E medo, principalmente, de decepcionar o menino. Porque ela não sabia, ou tentava esconder de si mesma, que ele sentia o mesmo por ela. E ele tinha medo do medo dela. Medo de que isso a fizesse fugir.
Mas ela seguiu em frente, apesar do medo. E eles puderam finalmente dividir os rostos e as vozes, puderam finalmente dividir o mesmo ar. E dividiram os olhares e expressões e cheiros e sabores e borboletas no estômago. As mesmas borboletas, o mesmo casulo. Ele segurou a mão dela com tanta força que, naquele momento, ela soube que aquelas mãos não iriam mais se soltar. Apesar da distância que não tem piedade, apesar do tempo que teriam que esperar, eles só iriam dividir cada vez mais. E mais.
"Sweety, you can't disappoint me. Because, whatever you are, is exactly what I want."

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Porque eu odeio o verão.

CAPÍTULO I


As pessoas estranham quando eu digo que não gosto do verão. Como pode uma pessoa morar em um monte de terra cercado de quarenta e duas praias por todos os lados, num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, e não gostar do verão? 
Eu explico. 
A história começa hoje, ainda na primavera. Sol. Muito sol. Muuuuuito sol. Mesmo. Tudo lindo e maravilhoso, se eu fosse à praia em vez de pegar um ônibus até o centro da cidade, onde você esbarra em três pessoas a cada metro, na melhor das hipóteses. E se depois eu não tivesse que pegar outro ônibus até um shopping que, teoricamente, fica perto do lugar onde eu trabalho, e depois não tivesse que ir caminhando até o local citado, porque, bom, era pra ser perto. Mas, a pé, num dia de sol, com pressão baixa e sapato novo, carregando uma bolsa que pesa setenta e três toneladas, em pleno mês de novembro, na cidade de Florianópolis, NADA é perto. 
Tudo bem. 
Três horas, quarenta e cinco minutos e vinte e sete segundos depois, com direito a parada na padaria pra comprar um saco de pão-de-queijo e um suco de caixinha - com moedas contadas, diga-se de passagem - que substituem o já saudoso almoço, eu chego ao trabalho, dez minutos atrasada. A partir daí, tudo ocorre bem. Normalmente, melhor dizendo. Eu trabalho cinco horas por dia, devido ao meu posto de estagiária de Design Gráfico que teve o azar de ter que trabalhar uma hora a mais do que o (meio) período normal. Continuando, cheguei ao trabalho, e tudo transcorreu normalmente. Quatro horas, trinta e cinco minutos e cinqüenta e quatro segundos depois, o tempo fecha. As nuvens resolvem se reunir pra dar uma descarregadinha bem em cima daquele monte de terra cercado de água por todos os lados, que as pessoas costumam chamar de ilha. Bem em cima daquela, ou melhor, desta ilha. Exatamente quando faltam vinte e quatro minutos e seis segundos para eu, depois de pagar meus dez minutos de atraso, claro, cumprir todos os dezoito mil segundos de trabalho e voltar para casa. 
E claro que não foi uma chuvinha qualquer. Em Florianópolis, há três tipos de chuva: o chuvisco, aquela chuva fininha à qual nós não damos o mínimo crédito, a ponto de sairmos sem guarda-chuva, mas que molha mais do que ducha Corona no modo verão; a chuvinha de verão, aquela maldita tromba d'água que dura exatos dez minutos - aqueles dez minutos que constituem o espaço de tempo que você leva, a) para andar da faculdade até o ponto de ônibus, b) para andar da areia até o carro quando vai à praia, c) para fazer qualquer coisa que dure dez minutos ou menos e que só pode ser feita naqueles dez minutos; e por último, mas não menos importante - acredite -, vem o terceiro tipo: o dilúvio, conhecido no resto do país em sua melhor forma como ciclone extra-tropical, ou Furacão Catarina. É aquele tipo delicioso de chuva que aparece do nada no meio de um dia de sol, se forma em, no máximo, cinco minutos e vem acompanhado de raios, de trovões ensurdecedores e de rajadas de vento que ultrapassam a velocidade da luz, vindos de todos os lados - inclusive de baixo. Sim, de baixo. Não há guarda-chuva que resista. 
Acho que, a esta altura do campeonato, não é preciso adivinhar que tipo de chuva caía enquanto eu caminhava meus dez minutos de volta pra casa. Claro, o dilúvio, disfarçado de chuva de verão. Ou vice-versa. Aquele que te faz temer que a ilha afunde a qualquer momento e te faz agradecer à sua mãe por ter te matriculado naquele infeliz curso de natação quando você tinha doze anos e queria fazer aulas de bateria, aquele mesmo que faz você avisar a todos os seus amigos com sonhos mirabolantes de se mudarem para cá e ir à praia todos os dias para trazerem seus botes infláveis e andarem com eles vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. 
Como era de se imaginar, a única rua pela qual eu passo na volta do trabalho estava alagada. Não inteiramente alagada, porque ela é bem grande para uma rua que une nada a lugar nenhum, mas alagada o suficiente para eu afundar até os joelhos na poça megalomaníaca que se formou em um tempo recorde de dois minutos, enquanto carros passam competindo para ver quem joga o esguicho mais alto em cima da minha triste e encharcada figura, e eu caminho enquanto o vento tenta levar meu guarda-chuva para encontrar seus colegas no famoso Recanto dos Guarda-Chuvas Perdidos, um lugar muito procurado, mas que continua um mistério para os seres-humanos, e minha mão dói porque eu tento segurar só a parte de madeira do cabo, com medo dos raios. 
Por fim, avisto meu prédio, ando uns trinta metros além dele porque a poça do lado de lá está menor, volto, entro no condomínio, meu guarda-chuva engancha no portão, eu desejo boa-sorte ao vizinho que encontro nas escadas, entro em casa deixando pegadas da porta até o meu quarto, onde torço a calça jeans em cima de um pano de chão, e consigo, com muito custo, me livrar dela. Choro ao pensar que ainda hoje preciso descer as escadas de novo pra entregar um filme maldito que não tive tempo de assistir, e a locadora fica do outro lado da rua, a dois rios de distância. Isso tudo sem contar com o fato de que minhas roupas estavam no varal, e provavelmente já estavam secas antes do dilúvio. Lógico. 
Mas o pior não é isso. Não é nada disso. O pior é que hoje foi só o começo. Foi só uma demonstração do que vai ser o resto do verão, até que o calor se canse de fazer todo o ciclo da água duas vezes por dia e nos abandone, mais do que na hora, e o inverno chegue pra levar embora todo o suor salgado e salpicado de areia que o verão nos deixou.
Just in time.