segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Dor e cura. Dor é cura.

Sei que minhas perguntas são o dedo sujo na ferida aberta, mas, perguntando, descobri tuas palavras como aquele remédio que arde e sara e faz a pele fechar. E, ainda que a cicatriz permaneça visível e brilhante por todos os nasceres de sol até o fim de nossas vidas, nenhuma faca é capaz de abrir uma ferida que eu fechei, que nós fechamos. Por isso eu pergunto e a resposta me arde e me queima e me transborda numa dor úmida e salgada, numa dor quase desumana e, ainda assim, me faz bem tua resposta. Porque tu és minha resposta. E só tu tens o poder de me curar.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Aos olhos alheios

"Um dia tu vais compreender que não existe nenhuma pessoa totalmente má, nenhuma pessoa completamente boa. Tu vais ver que todos nós somos apenas humanos. E sofrerás muito quando resolveres dizer só aquilo que pensas e fazer só aquilo que gostas. Aí sim, todos te virarão as costas e te acharão mau por não quereres entrar na ciranda deles, compreendes?"

Teus hábitos se tornarão reações inusitadas, teu sono será interpretado como desinteresse, teu cansaço será confundido com rudeza. Qualquer vírgula ganha um poder de exclamação, e tudo o que você pede é que, por favor, não haja nenhum ponto final na sentença. 
E a mudança foi para ti, mas não em ti. 
Procuram motivos para sentir incômodo com tua felicidade, enxergam mudanças onde não houve, te acusam de ser quem sempre foste, como se, de repente, tivessem se dado conta do que já sabiam.
Pelo menos o Caio me entende.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Todos os dias

Um dia, um passarinho parou na minha janela.
Era um beija-flor. Parou, esperou ser visto. E voou.
Um dia, outro beija-flor parou na minha janela.
Entrou no quarto, não parou. Deu meia-volta e se foi.
Uns dias, uns passarinhos paravam na minha janela.
Nenhum cantou.
Um dia, um passarinho pousou na minha janela.
Cantou a canção mais linda, beijou minhas flores mortas.
E ficou.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

De sempre em diante

­

- Você me faz ir contra meus princípios!
- Para que princípio, se eu sou seu meio e fim?

­

sábado, 4 de outubro de 2008

Sim

Abri mão dos embrulhos. O presente veio seco, direto de teus lábios, e não era um beijo. Você sempre soube as palavras certas. Deus sabe que, durante aqueles dias, o meu passatempo era me esconder atrás das cortinas e te observar enquanto pensavas estar sozinho. Conhecer teu eu verdadeiro. E foi tão lindo descobrir que não havia nada a ser descoberto... Te amei ainda mais. E sabes que o fato de saberes que eu só te deixei vir para preencher meu próprio vazio quase me fez pensar que fosses tu, mas o teu "não" foi tão certo, tão ponto final. Eu nem te perguntei, e disseste "não". Te amei ainda. Depois que te flagrei atrás de uma cortina, eu entendi. Nós procurávamos motivos, éramos iguais até no medo. Te amei. Era tão assustador ter algo pleno, era tão definitivo. Nós sabíamos, mas éramos humanos. Que ingênuos fomos ao esquecer este detalhe. Então, sem esperar, te descobri tão humano quanto eu, talvez ainda mais. Separados por uma cortina - era esse o nosso destino? Foi por isso que esperamos uma vida? Mais. Sorrimo-nos de nós mesmos. Não. Não seria assim. Procurávamos por uma certeza, por uma garantia. Encontramos mais do que esperávamos, não soubemos o que fazer e, de repente, tudo ficou claro. Teu "não" se calou para sempre. Disseste o que já sabíamos, com um sorriso dançando nos lábios. E a história não terminou.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

"Só não gosto de você estar sempre tão triste", ele disse, e ela se perguntou se era verdade. Era. Tentou descobrir o motivo da tristeza, e era como se a resposta estivesse pairando à sua frente, invisível. Sentia que havia um porquê, mesmo que não soubesse qual. Uns cinco anos depois, sentada sozinha em um ponto de ônibus, fez-se uma pergunta parecida. Uma segunda pergunta, que respondia a primeira.
Pessoas passavam, sem enxergá-la - sem querer ver. Nós somos invisíveis até o som do grito. As pessoas só enxergam o que querem, e o que grita para elas. Não gritei. Há algum tempo já não quero ser vista por quem não me procura.
Sentiu que eles eram tão parecidos - essas pessoas tristes, que sangram, que sabem demais. É tão ruim estar perto de algo profundo quando não se pode mergulhar.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Sobre mãos e asas

[Epf.] Ela era o tipo de pessoa que sempre quis segurar um passarinho. Toda vez que algum se aproximava, ela - sem saber porquê - o espantava. Era quase involuntário. Talvez fosse vontade de saber em que velocidade ele fugiria, saber que efeito seu movimento causaria nele. Talvez fosse medo que ele chegasse perto demais e fosse embora por vontade própria. Ou conseguir segurá-lo entre os dedos e sufocá-lo com a força que fazia para que ele não fugisse. O fato é que ela sabia que não poderia segurar o passarinho para sempre. Jamais cogitou gaoilas - ora, passarinhos nasceram para voar! Mas e se ele resolvesse ficar? E se sentisse que suas mãos eram um ninho? E se ele cantasse todas as manhãs só para vê-la sorrir, saísse para caçar umas minhocas e voltasse todos os dias? Ela se sentiria responsável por ele, o esperaria voltar. Teria medo que não voltasse. O problema era que, por trás do ato impulsivo e involuntário de espantar o passarinho, havia todos estes medos. Todas as possibilidades remotas. E se ele não voltasse? E se ela se encantasse com o cantar de outra ave? E se ele se encantasse com o cantar de outra ave? Ele continuava pulando na direção dela, e então ela pensou que, talvez, se ficasse muito quieta, ele pudesse confundi-la com algum elemento do seu hábitat, como uma árvore, e pousasse em seu ombro. Mas o que isso mudaria, afinal? Que importava que suas mãos fossem capazes de se fechar ao redor do corpo inteiro do pássaro, mesmo que ele não pudesse diferenciá-las de galhos? Ela sabia não poder criar raízes...
Preferia criar asas e voar com ele. Se fosse possível.