quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Eu e a vida

E então parada eu estava, quieta no meu canto, quando a vida resolveu me dar uma sacudida. Acorda!, disse ela, ao pé do meu ouvido, você não desceu aqui a passeio! Mudou tudo de lugar e me mostrou um lado meu desconhecido por mim até então. Quebrou objetos que eu estimava, queimou fotografias antigas e derreteu as velas dos meus mortos.
No começo, não entendi. Me revoltei, perguntava seguidamente o porquê daquilo, e me convenci de que ela não fazia o menor sentido. Fiquei parada esperando as coisas voltarem ao lugar, e só me mexi quando percebi que eu teria que fazer isto. Arrumei a bagunça que ela havia feito, devolvi as tralhas às gavetas certas e fechei todos os armários.
Por algum tempo, eles permaneceram fechados, de modo a proteger meus pertences de algum desavisado. Então ela me disse que assim eu jamais desfrutaria os meus bens mais preciosos, me entregou uma chave e o cadeado abriu. Eu fiz uma bagunça maior com o que saiu de lá. Todos os monstros trancados no escuro por tanto tempo me assombraram, irritados com a luz do lado de fora da porta.
Ela foi paciente comigo. Fechou as cortinas, amansou minhas feras e foi dormir. Eu fiquei com o resto do trabalho e, vez em quando, ela resmungava um conselho ou outro da cama ao lado.
Aprendi a usufruir meus bens, criei uma convivência pacífica com as bestas do meu armário e até enxerguei alguma beleza nelas. Cedi para elas um lugar à penumbra, embaixo da cama. Às vezes, nós conversamos à noite.
E ela sempre ali, me ajudando a arrumar a bagunça, quando não fazia a dela, para me acordar de madrugada e pedir que eu limpasse a sujeira.
E então nós vivemos assim, dividindo o espaço, como duas irmãs que dividem o quarto.


♪ Well life has a funny way of sneaking up on you
When you think everything's okay and everything's going right
And life has a funny was of helping you out
When you think everything's gone wrong and everything blows up in you face...

(Alanis)

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