quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Porque eu odeio o verão.

CAPÍTULO I


As pessoas estranham quando eu digo que não gosto do verão. Como pode uma pessoa morar em um monte de terra cercado de quarenta e duas praias por todos os lados, num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, e não gostar do verão? 
Eu explico. 
A história começa hoje, ainda na primavera. Sol. Muito sol. Muuuuuito sol. Mesmo. Tudo lindo e maravilhoso, se eu fosse à praia em vez de pegar um ônibus até o centro da cidade, onde você esbarra em três pessoas a cada metro, na melhor das hipóteses. E se depois eu não tivesse que pegar outro ônibus até um shopping que, teoricamente, fica perto do lugar onde eu trabalho, e depois não tivesse que ir caminhando até o local citado, porque, bom, era pra ser perto. Mas, a pé, num dia de sol, com pressão baixa e sapato novo, carregando uma bolsa que pesa setenta e três toneladas, em pleno mês de novembro, na cidade de Florianópolis, NADA é perto. 
Tudo bem. 
Três horas, quarenta e cinco minutos e vinte e sete segundos depois, com direito a parada na padaria pra comprar um saco de pão-de-queijo e um suco de caixinha - com moedas contadas, diga-se de passagem - que substituem o já saudoso almoço, eu chego ao trabalho, dez minutos atrasada. A partir daí, tudo ocorre bem. Normalmente, melhor dizendo. Eu trabalho cinco horas por dia, devido ao meu posto de estagiária de Design Gráfico que teve o azar de ter que trabalhar uma hora a mais do que o (meio) período normal. Continuando, cheguei ao trabalho, e tudo transcorreu normalmente. Quatro horas, trinta e cinco minutos e cinqüenta e quatro segundos depois, o tempo fecha. As nuvens resolvem se reunir pra dar uma descarregadinha bem em cima daquele monte de terra cercado de água por todos os lados, que as pessoas costumam chamar de ilha. Bem em cima daquela, ou melhor, desta ilha. Exatamente quando faltam vinte e quatro minutos e seis segundos para eu, depois de pagar meus dez minutos de atraso, claro, cumprir todos os dezoito mil segundos de trabalho e voltar para casa. 
E claro que não foi uma chuvinha qualquer. Em Florianópolis, há três tipos de chuva: o chuvisco, aquela chuva fininha à qual nós não damos o mínimo crédito, a ponto de sairmos sem guarda-chuva, mas que molha mais do que ducha Corona no modo verão; a chuvinha de verão, aquela maldita tromba d'água que dura exatos dez minutos - aqueles dez minutos que constituem o espaço de tempo que você leva, a) para andar da faculdade até o ponto de ônibus, b) para andar da areia até o carro quando vai à praia, c) para fazer qualquer coisa que dure dez minutos ou menos e que só pode ser feita naqueles dez minutos; e por último, mas não menos importante - acredite -, vem o terceiro tipo: o dilúvio, conhecido no resto do país em sua melhor forma como ciclone extra-tropical, ou Furacão Catarina. É aquele tipo delicioso de chuva que aparece do nada no meio de um dia de sol, se forma em, no máximo, cinco minutos e vem acompanhado de raios, de trovões ensurdecedores e de rajadas de vento que ultrapassam a velocidade da luz, vindos de todos os lados - inclusive de baixo. Sim, de baixo. Não há guarda-chuva que resista. 
Acho que, a esta altura do campeonato, não é preciso adivinhar que tipo de chuva caía enquanto eu caminhava meus dez minutos de volta pra casa. Claro, o dilúvio, disfarçado de chuva de verão. Ou vice-versa. Aquele que te faz temer que a ilha afunde a qualquer momento e te faz agradecer à sua mãe por ter te matriculado naquele infeliz curso de natação quando você tinha doze anos e queria fazer aulas de bateria, aquele mesmo que faz você avisar a todos os seus amigos com sonhos mirabolantes de se mudarem para cá e ir à praia todos os dias para trazerem seus botes infláveis e andarem com eles vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. 
Como era de se imaginar, a única rua pela qual eu passo na volta do trabalho estava alagada. Não inteiramente alagada, porque ela é bem grande para uma rua que une nada a lugar nenhum, mas alagada o suficiente para eu afundar até os joelhos na poça megalomaníaca que se formou em um tempo recorde de dois minutos, enquanto carros passam competindo para ver quem joga o esguicho mais alto em cima da minha triste e encharcada figura, e eu caminho enquanto o vento tenta levar meu guarda-chuva para encontrar seus colegas no famoso Recanto dos Guarda-Chuvas Perdidos, um lugar muito procurado, mas que continua um mistério para os seres-humanos, e minha mão dói porque eu tento segurar só a parte de madeira do cabo, com medo dos raios. 
Por fim, avisto meu prédio, ando uns trinta metros além dele porque a poça do lado de lá está menor, volto, entro no condomínio, meu guarda-chuva engancha no portão, eu desejo boa-sorte ao vizinho que encontro nas escadas, entro em casa deixando pegadas da porta até o meu quarto, onde torço a calça jeans em cima de um pano de chão, e consigo, com muito custo, me livrar dela. Choro ao pensar que ainda hoje preciso descer as escadas de novo pra entregar um filme maldito que não tive tempo de assistir, e a locadora fica do outro lado da rua, a dois rios de distância. Isso tudo sem contar com o fato de que minhas roupas estavam no varal, e provavelmente já estavam secas antes do dilúvio. Lógico. 
Mas o pior não é isso. Não é nada disso. O pior é que hoje foi só o começo. Foi só uma demonstração do que vai ser o resto do verão, até que o calor se canse de fazer todo o ciclo da água duas vezes por dia e nos abandone, mais do que na hora, e o inverno chegue pra levar embora todo o suor salgado e salpicado de areia que o verão nos deixou.
Just in time.

5 Ficadica:

Anônimo disse...

acho que você teve um dia bem ruim.. ó.ò

mas será que ele não vai ser compensado?
no resto das maravilhosas férias das aulas, dias quentes saindo pra tomar sorvete na praia com seus amigos.. fim de semana claro, pq não vamos nos dar ao luxo de largar o emprego nas férias.. mas tenho a impressão de que os fins de expedientes e fins de semana se multiplicarão nas férias.
olha, não sei no que vc está pensando agora, mas as chuvas podem ser revitalizantes quando se anda debaixo delas sem muitos pesos nas costas..
sei lá, só supondo..
lamento sua tempestade e desejo a liberdade a você.

Loan disse...

Que bela escritora. E que escritora bela...

Ah, Kallani. Acalenta o meu peito.




sim, eu também sou exagerado.

Leo Curcino disse...

sabe kall... eu acho que nisso somos parecidos. nao gosto de sol e ODEIO calor. fica pior ainda porque sempre morei longe da praia. acho que se morasse por ai, ate me simpatizaria com o verao.

e acho que a sua rotina ta ate mais legal que a minha. acredite se quiser! :)

Anna Paula disse...

tu não tem mais nada pra fazer da vida mesmo né, do que fazer um texto que é mais um livro, se lamentando do ciclo da chuva! hahahaha

assinado eu disse...

por que minha irmã só me xinga? ela nunca entra nessa joça aqui, só veio pra me xingar!
vai cagar, anna paula!