domingo, 9 de dezembro de 2007

Amanhã

Gabava-se tanto para si mesmo de fazer tudo o que quisesse que, ao acordar na manhã seguinte, surpreendeu-se com o paupável arrependimento que quase o impossibilitava de enxergar nitidamente a pessoa que sonhava ao seu lado. Fechou os olhos e tentou dormir outra vez. Deixou-se envolver por um sono agitado pela culpa. Acordou. Adormeceu e acordou novamente. O ciclo vicioso só se encerrou quando a luz do sol invadiu o quarto e ele desistiu de dormir. Resolveu encarar seu ato de frente, e pensou. Por quê? Por que aquele arrependimento, por que aquela culpa, se não havia feito nada de errado? Por que a vontade de voltar no tempo, quando sempre fora uma pessoa impulsiva e até inconseqüente, e aprendera a mentir para si mesmo há tanto tempo; quando sempre repetia dentro de si que poderia ter sido pior, e que sua vontade era sua própria lei? Por que aquele peso invisível o comprimia tão fortemente contra o colchão que ele pensou em não mais levantar?
Ora... porque nem sempre vale à pena esquecer-se do amanhã. Ele chega, sem pena e sem culpa. E é incrível como uma simples noite de sono pode fazer tudo parecer tão diferente, mudar as perspectivas de uma maneira brutal e avassaladora, transformar uma coisa boa em um erro indesculpável. Até mesmo a própria culpa o fazia sentir-se culpado, e ele não quis admitir que sua teoria havia falhado.
Resignou-se a deixar, enfim, que o mesmo tempo que trouxe o arrependimento o levasse embora, e esperou que chegasse o amanhã. Perguntou-se quantos amanhãs seriam precisos para apagar um ontem já remoto. Sem ter idéia da resposta, agarrou a culpa e a atirou longe, ela não o ajudaria em nada. Abriu os olhos, respirou fundo, levantou-se e foi embora.
Para não voltar.

3 Ficadica:

Noé Medeiros disse...

quantos amanhãs são precisos para apagar um ontem já remoto???
;P

Anônimo disse...

A culpa é apenas o resultado de uma tentiva de enganar-se com decisões incertas, e muitas vezes repetidas. O previsível sentimento de perda de si mesmo sempre lhe desperta, seja com o sol sobre a cama ou com o úmido som da chuva de verão, lhe dizendo que mais uma vez foi preciso sentir o amargo gosto do arrependimento pra que saibas que onde dormes não é onde tua alma gostaria de se acomodar, e o que fazes não é sempre o que alimenta tua natureza...

E quantas luas terão de brilhar, quantos lençóis serão necessários pra que o arrependimento não mais perturbe os sonhos daqueles que buscam respostas em mudas bocas?

Leo Curcino disse...

arrasou em xuxu!
parabens!
^^